> DANGEROUS WOMEN

Ainda que só tivesse visto rapidamente pelo canto de olho, eu soube imediatamente que era um pombo a figura branca que passava de um lado ao outro como um vulto insistente na janela do meu quarto — expansiva o bastante para excitar qualquer stalker de rua que desejasse dar uma espiadinha nas novas garotas bonitas que haviam acabado de se mudar para o apartamento duplex num quarteirão de prédios residenciais em Greenwich Village.




Como uma boa dupla de garotas que adoravam encaixar significado nas pequenas coisas da vida para torná-las relevante o bastante, aquele era o último dia daquele ano e o primeiro de uma nova vida. Eu havia feito uma pequena lista de realizações no meu bloco de notas — não uma lista estúpida de resoluções, traçando os objetivos que eu precisava correr atrás através do ano, como uma regra estipulada por mim mesma. Eu gostava do contrário, gostava de realizar o máximo de desejos e objetivos possíveis e no último dia escrevê-los.

Aquele ano de 2024 havia sido uma temporada de inúmeras conquistas, e nos últimos itens da lista, vinham as principais que me fazia querer gritar de animação: Entrar para a NYU, check! Não me prender as amarras de um relacionamento e me tornar escrava de sentimentos, check! Mudar para Nova Iorque e passar o Réveillon embriagada e atracada no pescoço de algum residente gato, meio-check!

Mudanças era como a retirada de um band-aid para mim; quando mais se recusa a encarar, mais doloroso se torna. Era necessário puxar de uma vez. Então, não houveram tempos para despedidas demoradas e lágrimas. Minha mãe entendia os motivos que estavam levando suas duas meninas para longe da comuna Italiana onde moramos por toda a vida — elas querem ter um hotel só delas, lá na cidade dos grandes, a "signora" Annella Ricchetti diria para quem se atrevesse a perguntar sobre a ausência das duas beldades da comunidade.

Mas haviam motivos a mais para minha saída e de Sophia da Itália. Nós possuíamos hábitos caros demais para duas meninas que deveriam viver para sempre na sedutora paisagem italiana, como um eterno sonho de verão; com óculos escuros e roupas de banho que faziam os vizinhos desejarem espiar pelas janelas durante suas canseiras prandiais pós meio-dia. Nós sempre desejamos por mais. Mais do que a comuna podia oferecer. Mais do que os nosso pais estavam dispostos a dar – apesar de sermos gratas pelo que eles já nos dava. Mais do que qualquer uma pessoa de mente acomodada e vida pomposa tradicional daquela região poderia imaginar, dentro de suas casas com muitos quartos, quadras de tênis e piscinas.

Algumas últimas caixas estavam postas diante das portas do meu armário. Era um armário grande e me fazia sentir agitada só de pensar que era inteiramente meu. Eu precisei girar pelo quarto, sem conter a ansiedade de demonstrar o quanto eu estava excitada com aquela nova realidade; e alguns giros mais tarde, meu corpo tombou numa das caixas, fazendo-a cair num estrondo e se abrir para revelar muitos pares de saltos altos.

No que pareceu alguns segundos depois, rápido demais para que eu tivesse a condição de reunir todos os sapatos espalhados, uma silhueta feminina surgiu na porta aberta do quarto. Sua citação sobre destruição me fez sorrir maldosamente, como se aquela palavra instigasse algo até então desacordado em mim; mas logo suas palavras oscilaram para algo dócil, que por um segundo me fez sentir um aperto gostoso no coração e um frio na barriga incomum. Sophia Angelina. Minha irmã. Minha parceira. Desejando-me um feliz ano novo, ainda que faltassem horas até a virada do ano, mas eu sabia o que aquilo deveria significar. Era o nosso ano novo. — Feliz nova vida, amore mio — Eu retruquei, abrindo o melhor sorriso de gratidão que eu pude, antes de soprar alguns fios do meu cabelo negro que caia a frente dos meus olhos e com isso, soprar todo sentimentalismo que pesava no momento.

Dois pares de saltos distintos se ergueram no ar, no momento em que enfiei a mão na caixa e os retirei dali. Um era uma sandália de plataforma em tom nude, com fivela e um salto generosamente alto e o outro uma bota de camurça preta e salto agulha. — Qual dos dois para a noite? Plataforma para um estilo mais campestre moderno ou Stiletto a la femme fatale? — Meus olhos a encararam, enquanto eu sustentava os saltos a frente do rosto; a perna levemente erguida no ar, exibindo-se pela fenda do roupão de banho que me cobria, como uma insinuação para que ela a olhasse e vislumbrasse qual salto melhor se encaixaria para desfilar pelas ruas da cidade naquela noite.